terça-feira, 27 de agosto de 2013

Senador boliviano asilado entra no Brasil e governo vai investigar

Roger Pinto Molina estava asilado havia mais de um ano na embaixada brasileira na Bolívia e chegou neste domingo ao País. Ministério das Relações Exteriores vai abrir inquérito.

O Ministério das Relações Exteriores informou neste domingo 25 que abrirá um inquérito para apurar as circunstâncias da entrada no Brasil do senador boliviano Roger Pinto Molina, que estava asilado há mais de um ano na embaixada brasileira na Bolívia. O boliviano chegou neste domingo ao País acompanhado do presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Ricardo Ferraço (PMDB-ES).
O Itamaraty informou que o encarregado de Negócios do Brasil em La Paz, ministro Eduardo Saboia, foi chamado para prestar esclarecimento.
“O ministério está reunindo elementos acerca das circunstâncias em que se verificou a saída do senador boliviano da embaixada brasileira e de sua entrada em território nacional. O Ministério das Relações Exteriores abrirá inquérito e tomará as medidas administrativas e disciplinares cabíveis”, diz trecho da nota.
O senador boliviano, que aguardava um salvo-conduto para sair o país, deixou no sábado (24) a embaixada brasileira em La Paz com destino ao Brasil. O advogado do senador, Fernando Tibúrcio, confirmou à Agência Brasil que o parlamentar deixou com segurança a representação diplomática brasileira, mas ainda não está definido o local do Brasil onde Pinto Molina viverá.
Molina, que faz oposição ao governo de Evo Morales, ficou quase 15 meses abrigado na Embaixada do Brasil em La Paz desde que pediu asilo político ao Brasil. O salvo-conduto era negado pelas autoridades bolivianas que alegavam que o parlamentar responde a processos judiciais no país.


terça-feira, 16 de julho de 2013

Investimento em fibra ótica é solução para espionagem, diz Samuel Pinheiro Guimarães

Ex-ministro de Lula afirmou que EUA podem ter armazenado informações sobre negociação para compra de aviões da FAB




Um dos principais formuladores da política externa do governo Lula (2003-2010), o ex-ministro e embaixador Samuel Pinheiro Guimarães argumentou nesta terça-feira (16/07)  que o Brasil deveria aumentar os investimentos em fibra ótica para se proteger dos programas de espionagem dos Estados Unidos.

Em entrevista a Opera Mundi em São Bernardo do Campo, onde é realizada a conferência “2003-2010: Uma nova política externa”, na Universidade Federal do ABC, Pinheiro Guimarães disse que a ação norte-americana não é uma novidade, pois é “realizada em alguma medida por satélite desde 1948”.

“É um problema simples para a presidente Dilma resolver. Basta aumentar os recursos do Programa Nacional de Banda Larga, pois a fibra ótica é o único sistema que pode dar privacidade ao país e seus cidadãos. Se tivermos o dinheiro necessário, temos solução. Caso contrário, não”, afirmou. O Programa Nacional da Banda Larga foi criado em maio de 2010 e tem como um dos objetivos "aumentar a autonomia tecnológica e a competitividade brasileiras".

Ao participar da primeira mesa de debates do dia, o ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (2009-2010) e secretário-geral do Itamaraty (2003-2009) deu um exemplo prático do impacto dos planos de espionagem dos Estados Unidos na política brasileira. “Ao interceptar as comunicações entre os líderes civis e militares do Brasil, o governo norte-americano tem informações privilegiadas sobre o que está por trás da compra dos aviões da FAB [Força Aérea Brasileira], que é uma licitação sem importância que envolve ao menos R$ 7 bilhões”, ironizou.  


Desde o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o Brasil analisa a compra de 36 caças para a FAB. Os Estados Unidos disputam a venda das aeronaves com França e Suécia. 


Pinheiro Guimarães também elogiou o repúdio expressado pelo Mercosul à espionagem norte-americana, formalizada na Cúpula de Montevidéu na semana passada. “Há uma tentativa recorrente de criticar o Mercosul e a Unasul [União das Nações Sul-Americanas], mas imagine se o tema fosse discutido na OEA [Organização dos Estados Americanos]. Com certeza seria uma discussão pautada pela pressão dos EUA e que não contemplaria nossos interesses”, analisou.


A conferência na UFABC foi iniciada ontem com a presença do chanceler Antonio Patriota. Além dele, também comparecerão ao campus da universidade em São Bernardo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Defesa, Celso Amorim, o assessor-chefe da Presidência da República Marco Aurélio Garcia, entre outros. 

Via Opera Mundi

Espanha pede desculpas à Bolívia por caso Morales/Snowden

Presidente boliviano foi proibido de pousar na Europa para abastecer, há duas semanas.




O governo espanhol apresentou nesta segunda-feira (15/07) à chancelaria boliviana uma nota para manifestar suas desculpas pelo "incidente" com o avião do presidente Evo Morales, ocorrido há duas semanas. Na ocasião, o presidente da Bolívia foi proibido de pousar na Europa para reabastecer devido à suspeita de que Edward Snowden, ex-agente da CIA, também estivesse no voo.

O documento foi entregue pelo embaixador da Espanha em La Paz, Ángel Vázquez, que lamentou o proceder de seu colega em Viena, Alberto Carnero, a quem Morales acusou de pretender inspecionar seu avião para verificar se com ele viajava Snowden, requerido pelos Estados Unidos por divulgar informação confidencial.

"Lamentamos esse fato, apresentamos nossas desculpas por esse proceder, que não foi adequado e incomodou o presidente", criando uma "situação difícil e imprópria de um chefe de Estado", disse Vázquez em declarações à imprensa após entregar a nota ao vice-chanceler da Bolívia, Juan Carlos Alurralde.

Em seu retorno à Bolívia da Rússia, Morales teve que permanecer mais de 13 horas em Viena porque França e Portugal negaram as permissões para sobrevoar ou aterrissar em seus territórios sob a suspeita que Snowden estava no avião presidencial. O norte-americano está na área de passagem do aeroporto moscovita de Sheremétievo desde o último dia 23 de junho.


A Espanha foi incluída no protesto boliviano pela atuação de Carnero, que indignou a Morales, segundo o próprio líder. Vázquez insistiu hoje que "a Espanha lamenta profundamente" o incidente e expressou que sua nação "deseja que, com estas gestões, se possa dar por liquidado" o tema e as relações com um "país irmão" como a Bolívia sejam as "melhores".


"Espanha e Bolívia têm relações que vão além de qualquer incidência, de qualquer circunstância como a que agora vivemos e espero e tenho certeza que as autoridades bolivianas entendem do mesmo modo", acrescentou.

Vázquez ressaltou que a Espanha reconhece e respeita "os princípios do direito internacional que protegem a inviolabilidade dos chefes de Estado e dos aviões nos quais se deslocam" e expressou sua confiança em que situações como as que viveu Morales não se repetirão no futuro.

O bloqueio ao avião de Morales foi condenado por organismos regionais como Mercosul, Unasul (União de Nações Sul-Americanas), e OEA (Organização dos Estados Americanos), que reivindicaram aos países europeus envolvidos explicações e desculpas pelo incidente.

(*) com Agência Efe

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Morales: proibição de voo sobre países europeus responde a uma "política imperial"

Presidente boliviano ressaltou no aeroporto de Viena que "não nos deixaremos ser intimidados, esse é o tempo dos povos"

O presidente da Bolívia, Evo Morales, afirmou nesta quarta-feira (03/07) que a proibição de voo em terras europeias responde a uma "política imperial que busca amedrontar e ameaçar a todos os países e governos que pensam diferente e não se rendem a interesses hegemônicos". No aeroporto de Viena, pouco antes de embarcar rumo a La Paz após escala forçada na Áustria, Morales ressaltou que "não nos deixaremos ser intimidados, esse é o tempo dos povos".
Morales negou “qualquer conduta irregular” da aeronave presidencial, que vinha da Rússia e foi desviada para a Áustria, devido a suspeitas dos governos da França e de Portugal de que o ex-agente estadunidense Edward Snowden estava a bordo. "Não sou um criminoso", disse ele. "Não vão nos assustar. Somos um país pequeno, mas com dignidade", completou.
O presidente boliviano contou que o embaixador espanhol em Viena, Alberto Carnero, esteve no aeroporto e pediu que ele tomasse o café da manhã dentro do avião. “Para ver o avião e, no fundo, querer controlá-lo. Não sou nenhum criminoso para que me controlem o avião", ressaltou o presidente, que no aeroporto, em Viena, reuniu-se com o presidente da Áustria, Heinz Fischer.
Na capital austríaca, o avião não foi revistado, segundo o porta-voz do governo, por não haver razão legal para a ação. Morales regressava de Moscou (Rússia) para La Paz, na Bolívia. Ele participou de uma reunião dos países produtores de gás natural. A Bolívia é um dos 21 países aos quais Snowden pediu asilo político.

Unasul
Morales disse que quer convocar uma reunião de emergência da Unasul (União de Nações Sul-Americanas), que engloba 12 países inclusive o Brasil, para discutir a proibição dos governos de Portugal e da França ao ingresso do avião boliviano no espaço aéreo dos dois países. Diversos líderes sul-americanos declararam repúdio ao fato e sugeriram a convocação de uma reunião do organismo.
O ministro dos Negócios Estrangeiros da Bolívia, David Choquehuanca, disse que aguarda explicações das autoridades europeias. "Não sabemos de onde veio essa informação mal-intencionada, essa enorme mentira. Estamos a averiguar. Portugal e a França têm de nos dar explicações", disse o chanceler.
Choquehuanca disse que foi preparado um plano de voo alternativo, com a notificação do governo da França de proibição da aeronave sobrevoar o seu território. O chanceler confirmou que as autoridades de Portugal e da França suspeitavam de que o ex-agente estava a bordo.
Snowden é acusado de espionagem pelos Estados Unidos e está na Rússia esperando a concessão de asilo político. O ex-agente denunciou que os estadunidenses monitoravam e-mails e ligações telefônicas de cidadãos dentro e fora do país. Há ainda informações que comunicações da União Europeia também foram monitoradas. O estadunidense pediu asilo a 21 países, inclusive ao Brasil.,


Via Opera Mundi

segunda-feira, 24 de junho de 2013



'Tu fala por ti?' ou, 'Quem fala por ti?'


Todos os telejornais estão 'informando' que as pessoas estão indo para rua principalmente contra a corrupção e contra a PEC 37. Isso sinceramente me parece muito estranho, porque isso não é uma pauta de reivindicação, isso é uma 'não-pauta', não se propõe nada a partir disso, me explico:


Contra a corrupção todos são, ou pelo menos dizem que são, mas a conversa ao que parece fica por ai, em um tom generalizante, hostilizando principalmente tudo que é público, rejeitando a política de uma forma geral e de maneira discricionária. Eu continuo perguntando qual a pauta? A presidente veio à publico propondo a Lei de Acesso à informação (que o executivo nacional já vem praticando), estendido a todos os poderes da república e entes federados, além de uma ampla Reforma Política que preveja maior participação e controle cidadão. Agora, ou as pessoas endossam essa pauta e pressionam o congresso pela aprovação, ou rejeitam requerendo uma outra fórmula.

Quanto a essa tal de PEC 37, eu dei uma olhada na proposta e se entendi bem (até porque esse juridiquês não é fácil) me parece o seguinte: ela impede que o mesmo órgão que te acusa judicialmente, seja o mesmo que te investigou. A bem da verdade não me parece nenhum disparate constitucional (a tal da PEC 99/11 sim, me parece um total absurdo!), mas confesso, não tenho opinião formada, até porque acho que isso exigiria um debate mais profundo em termos de direitos civis. O que me incomoda é todo mundo ir para rua com um placa dizendo 'Não a PEC 37'. Eu não consigo construir uma opinião sólida sobre isso, e não entendo como tantas pessoas 'construíram' uma opinião tão rápido. A OAB, se não me engano, se posicionou favoravelmente, entretanto alguns constitucionalistas se posicionaram contrários. Mas o que mais tenho visto são as principais revistas, jornais e televisões batendo nessa tecla, além de comentários de 'formadores de opinião' como o imortal Merval Pereira e o Arnaldo Jabor, o que para mim, vale tanto quanto a opinião do Pelé e do Ronaldo.

Até agora isso tudo tá me parecendo mais uma campanha que a UDN e a mídia faziam a 50, 60 anos atrás, do que realmente um revolta popular de cunho democrático, progressista e apontando para o futuro. Tem saída? Acho que ainda tem, mas é preciso ultrapassar essa cortina de fumaça que tentam dispersar nas ruas.

sexta-feira, 21 de junho de 2013






Vamos olhar por detrás da cortina
Caros amigos, gostaria de expressar aqui minha impressão, ainda atordoada, do vi na marcha de Pelotas e pela TV. O que a princípio me parecia uma mobilização social legítima e necessária, está a cada dia se tornando algo com contornos assustadores e fascistas. Leiam e me ajudem a entender.

Como disse em post anterior, todas as demandas estavam lá, na verdade tudo estava lá, mas ainda nada tem coerência interna. Todo este processo está apenas esperando uma fagulha, um fio condutor, um fato ou factóide para justificar o que quer que seja. E vejam bem, o Brasil é muito bom nisso, basta apenas um tiro dado no pé de um governador supostamente por um segurança, um estudante morto em um restaurante universitário, ou mesmo uma simples edição de jornal feita de última hora...

As forças sombrias que assediam o poder, que o Getúlio falava em sua carta, continuam vivas e bem articuladas. Mas o fato político ainda não aconteceu, ou ainda não foi criado, tudo ainda é muito nebuloso, uma cortina de fumaça
Ou o governo organiza a pauta e bota nas e para as ruas, ou alguém o fará antes através de algum 'fato' político novo, colocando em risco a própria democracia.

Em minha opinião o pior cenário é aquele onde um fato "irá" acontecer, será repercutido pela mídia em geral e se tornará a bandeira oficial que unificará essa geleia geral das ruas em oposição frontal ao Estado como um todo. Essa bandeira será astiada por uma oposição conservadora que pedirá um endurecimento da situação, tirando para isso qualquer reminiscência democrática do caminho.

Seria definitivamente a história se repetindo como tragédia.

Estou preocupado com razão?

quinta-feira, 20 de junho de 2013





O voto e a responsabilidade

Gostaria de saber se esse pessoal que vai para rua 'contra tudo que está ai', contra a 'política e os políticos', se dá realmente conta de que também é parte do que 'esta ai'? Me explico, e vou dizer no melhor português que posso. As eleições nacionais foram a cerca de 2 anos e meio e eu me lembro muito bem em quem votei para a câmara federal, estadual, senado, governo e presidência, tenho minhas frustrações com os representantes, mas também tenho orgulho de algumas conquistas. Procuro acompanhar individualmente cada um deles, quando não no geral pelo menos em temas mais polêmicos. Ao final dos mandatos vou colocar na balança as conquistas e as frustrações e ver se eles merecem a confiança depositada. 

Gostaria de saber dos manifestantes, se acompanham o trabalho dos seus representantes escolhidos, se sabem como eles votam em temas importantes, ou pelo menos nos temas polêmicos. Se pelo menos lembram quem escolheram para a câmara federal, estadual, senado, governo e presidência. E não adianta me dizer: 'ahhh, mas não adianta, o povo vota e continua tudo igual. Político é tudo igual'. Vejam bem, não estou perguntando no geral, estou perguntando no específico: tu, eleitor votante, que tem representantes escolhidos e que são pagos com dinheiro público, sabe o que o teu representante faz, sabe como ele tem votado, sabe como se posiciona? Digamos, por exemplo, sobre educação. Sabe, por exemplo, como ele votou quando foi negado os 100% dos royalities do pré-sal para a educação? 

Você também é responsável por isso. O papel do cidadão não pode ser só pagar os impostos que remuneram quem faz a política institucional, a política não acaba quando as urnas são fechadas, quando os representantes são empossados. Eles são, como o próprio nome diz, apenas representantes, o poder continua contigo, só que dali por diante o papel não é mais o de escolha, mas sim o de fiscal, controlador, auditor. 
Você é portanto corresponsável, essa é a beleza e o risco da democracia, que só pode ser eficiente se cada parte fizer o seu papel a bom termo.

Em caso contrário, de nada adianta por exemplo, o sujeito ir para a rua com apito e cartaz dizendo que quer mais $ para a educação. Se educação é realmente um tema que lhe interessa, que acha importante, mas que não sabe como o seu representante se comporta sobre o tema. Esse manifestante parece-me deixa de parecer um manifestante e me lembra mais uma vaca com um sino no pescoço que acompanha a tropa.

quarta-feira, 19 de junho de 2013



Isenção para quem?


Governo e prefeitura de SP, assim como em outros estados e municípios, revogaram o aumento da tarifa a partir do repasse da isenção fiscal de PIS e COFINS que o governo federal concedeu, como também, de outros impostos municipais. 


Tá tudo muito bem, tudo muito bom, também sou favorável a redução de impostos sobre produção, serviços e consumo, é sem dúvida uma vitória. Entretanto essa continua sendo a saída mais fácil, não se fala em licitação, mão se fala dos lucros abusivos das empresas de transporte e o pior não se discute uma reforma tributária mais justa para financiar o transporte público e o Estado brasileiro.

Isenção fiscal para as empresas de transporte público é mais do mesmo, é a velha cartilha liberal, é o velho discurso de encolhimento do Estado. O discurso de que o Brasil tem a maior carga tributária do planeta é uma mentira, e quem quiser pode procurar para se informar. O problema é que nossa matriz tributária é muito, muito injusta, paga mais quem menos tem, financia o Estado quem está na base da pirâmide social, é uma matriz tributária na prática regressiva e portanto criminosa. Eu me pergunto o seguinte: o povo quer educação, saúde, segurança e investimento público. Como é que se vai financiar isso se cada vez concede-se mais isenções fiscais para as empresas sem colocar nada no lugar? Como é que se constrói mais hospitais, mais escolas, universidades? Como contratar mais funcionários públicos para fazer toda máquina funcionar?

Concordo que se isente de tributos o consumo, a produção e os serviços, até porque esse tipo de imposto é o que acaba por onerar mais o trabalhador e o pobre, que são os que comprometem a maior parte de sua renda com isso. Mas é preciso discutir o que fazer? O que por no lugar?

Nos últimos anos o número de milionários e bilionários no Brasil cresceu muito, muito mesmo (em grande parte fruto do tipo de matriz tributária que temos), será que não seria agora a hora de botar na pauta a taxação das grandes fortunas? A proposta da ATTAC de tributar a especulação financeira? Tributar proporcionalmente a renda e a grande propriedade em vez do consumo e da produção? Será que não seria agora a hora de colocar na ordem do dia uma proposta de reforma tributária progressiva?

terça-feira, 18 de junho de 2013



A indignação no mundo e o potencial transformativo da democracia.

Os últimos dias nas ruas do Brasil foram extremamente intensos, conflituosos, antagônicos, contraditórios, e como tal, também extremamente ricos e complexos para serem analisados no calor do momento. Como diria certo pensador a mais de um século, ‘a violência sempre foi a parteira da história’, resta saber o que se está violentado, quem está sendo violentado e o mais importante, tudo isso será em nome de uma alteração substancial do status quo em um sentido progressista, ou apenas uma porta incerta aberta para um obscurantismo reacionário?

A história é rica em demonstrações constantes de lutas sociais onde as massas agem por indignação polissêmica, por uma inconformidade difusa, onde cada um conhece bem seus motivos e nem tão bem as causas. É exatamente pelo conhecimento parcial das causas que as lutas sociais estão sempre em disputa e são semantizadas, tematizadas e significadas conforme uma disputa de hegemonia sobre a realidade. Acredito que tenha sido assim, por exemplo, nas cabeças cortadas na França revolucionária e a posterior reação napoleônica, na insurgência contra o imperialismo europeu durante as conquistas, na frágil República espanhola, na República de Weimar e o posterior pesadelo fascista, e para ficar mais próximo da nossa realidade, a eleição e morte de Getúlio e a reação popular, a luta por Reformas de Base com Jango e a Marcha com Deus e o pesadelo militar. 


Esse também é um movimento com muitas interpretações, muitos significados, muitas demandas ha tempos latente. Não há mais direção, não há mais pauta (ou há muitas), não enxergo a ponta do fio por onde começar a desenrolar esse emaranhado. Todo significado é válido, toda a pauta é legítima, mas todas as cordas podem formar alguma coisa? Quem for mais esperto, vai dar a forma para esta colcha de retalhos que mais lhe convier e construir a hegemonia mais rápido.

A sorte está lançada, a contenda está nas ruas, a disputa está nas ruas, o futuro ainda não está traçado.


Contexto histórico.

Resta claro que o momento não está tão polarizado e muito menos tão violento - pelo menos no Brasil - mas fica claro também, que cada vez é mais difícil fazer parecer ao mundo que os conflitos que ocorrem no Brasil, na Turquia, na Espanha, na Grécia, em Nova York, na Grã-Bretanha, etc., surgem por ‘combustão espontânea’ e que uns não guardam relação com outros. Parece-me que há mais ai. A geopolítica mundial se alterou substantivamente nos últimos 10 anos: a entrada da China no mercado mundial e na OMC, a sociedade desta com os países em desenvolvimento (estes elegendo ela como principal parceiro comercial), a transposição do parque produtivo mundial do norte para território chinês e demais países em desenvolvimento no sul, o endividamento crescente do norte global (chegando a igualar a receita à dívida, fora os déficits), a sujeição destes países ao financismo rentista dos bancos, o fim do wellfare state, etc., há muito que se refletir sobre isso. Durante muitos anos, e principalmente após Breton Woods, o poder econômico, militar e cultural se concentrou e foi manipulado no norte sobre a sujeição do sul. No presente chegamos a um estado de coisas onde Europa e os EUA consomem o equivalente a capacidade de produção de 8 planetas e o Sul pouco mais de 1, os EUA e a OTAN tem bases militares em mais de 140 países dos quase 190 do sistema ONU, e culturalmente a ocidentalização chegou a todos os cantos do globo. O problema é que tudo isso sem a mesma capacidade de sustento de 30 anos atrás se torna um castelo de cartas. Irá cair sobre a cabeça de quem?

Toda essa contextualização para dizer o que exatamente? Os últimos 10 anos foram muito bons para o Estado brasileiro, o Brasil soube usar a entrada da China no mercado mundial (assim como diversos outros países) para se livrar das amarras que o pacto de Breton Woods impunha aos países do antigo 3º mundo (e mesmo conquistar espaço nos organismos deste pacto), para ampliar e diversificar o seu comércio internacional, para conquistar superávits constantes na balança comercial e com isso colocar novamente o Estado como indutor do crescimento (aliás, coisa que os países adiantados do capitalismo sempre fizeram).

O Brasil passou de um PIB em 2002 de R$ 1.477.822 trilhões, para R$ 4.402.537 trilhões em 2012, e com isso colocou o Estado para financiar todo o tipo de obra pública que nunca havia se visto na história brasileira. Só para citar alguns dados sobre educação: foram construídas 22 universidades novas, mais de duas centenas de escolas técnicas, saímos de cerca de 15.000 bolsas de pesquisa em 2002 para cerca de 78.000 hoje, o governo mandou para o exterior com bolsa de pesquisa cerca de 40.000 estudantes pelo programa Ciência Sem Fronteiras, o Brasil alcançou nos últimos anos o 13º lugar no ranking de produção científica (Routers), os repasses do governo federal para os estados e munícipios para educação nunca foi tão grande, mais de 1 milhão de estudantes pelo PROUNI, mais de 250 mil vagas pelo REUNI em universidades federais, 600 mil nos institutos federais, muito mais professores doutores concursados, nunca teve tanta possibilidade de educação no Brasil, nunca! E quem quiser consulte os dados no IBGE e os relatórios da ONU.  Sem citar aqui o maior número de recursos na história para a saúde pública, para habitação, energia, agricultura, menor taxa de desemprego da história, menor índice de miséria, menor desigualdade social (índice de GINI). O Brasil é um dos países onde a pobreza mais diminuiu e onde o crescimento econômico dos últimos anos teve um dos maiores impactos distributivos. Não é preciso acreditar no que está aqui escrito, basta consultar relatórios de pesquisa nacionais e internacionais que estão à disposição do público via internet, mas que, no entanto, não se vê muito na mídia nacional.

Não nos enganemos, o norte global está em crise e querem exportar a crise de lá para ser paga como sempre pelos povos daqui. E para isso podem contar, como sempre também, com muitos aliados nativos, que sempre lucraram muito com essa parceria, alijando o resto do Brasil que trabalha e faz ‘crescer o bolo’, mas que sempre ficou só com as migalhas.



Os governos petistas, suas contradições e o passo seguinte.

De nada ajuda para pautar a agenda de transformação nacional o afastamento de fundamentais lideranças partidárias dos movimentos sociais como vem ocorrendo em nome da administração e da burocracia do Estado. E vejam bem, não é um problema dar a sua contribuição institucionalmente a um projeto de transformação, o caso é que tem que ser ‘transformativo’. Administrar o Estado por si só não pode ser um fim em si mesmo. A manutenção do status quo serve à direita não à esquerda. Não se pode esperar e pedir que o povo trabalhador tenha paciência, enquanto vê alguns companheiros na burocracia recebendo R$ 5.000, R$10.000, R$20.000 (isso para falar dos companheiros éticos!) e a diminuição das desigualdades andando em passo de tartaruga enquanto ele paga dois ônibus para chegar ao trabalho. ‘Governar é inverter prioridades como diria um certo galo do sul’.

O governo petista desde a primeira eleição se vê imerso em conflitos e contradições permanentes. Fruto de suas características próprias, como também da própria contradição de ser um partido que busca democratizar a sociedade estando adaptado à ordem institucional. Como citado anteriormente, embora com a vitória em 2002 os governos petistas tenham conquistado diversos avanços econômicos e sociais, coube ao partido e seus aliados de esquerda administrar um país com graves abismos sociais, tendo que disputar palmo a palmo cada avanço não só na sociedade, no congresso, no judiciário, como também no próprio governo pactuado com setores da política tradicional (o famoso presidencialismo de coalizão). Ainda que tenha enfrentado a desigualdade, o Brasil deixou de ser o 3º para ser o 8º país mais desigual do globo, ainda somos um monumento à desigualdade, como diz o escritor Eduardo Galeano. É fruto deste abismo que faz com que a população se levante. Esse abismo é que sustenta a corrupção, o descaso, o jeitinho, a ignorância, os monopólios de poder e de informação, etc., essa desigualdade é econômica, mas também é política.

A população começa a se dar conta destas contradições porque pela primeira vez na história do Brasil ela não precisa mais se preocupar prioritariamente com o seu consumo de subsistência, ela já consome - o governo fez uma política de incentivo massivo ao consumo; ela já tem emprego - existe uma política de pleno emprego; ela já está na universidade – nunca tantos filhos da classe trabalhadores estiveram nos bancos das mesmas. A população está mais esclarecida, mais crítica e quer mais. O governo petista buscou isso, incentivou isso, deve agora arcar com as consequências e fazer o enfrentamento necessário de mudar estruturas econômicas e sociais mais profundas da sociedade brasileira (expurgando inclusive os seus próprios parasitas). São essas estruturas que sustentam a manutenção de um status quo que relega à maior parte da população um papel subalterno e excluído das estruturas de poder. O povo quer mais participação, não só institucional e política, mas uma vida e um espaço público realmente plural e democrático social, econômica, cultural, étnica, sexualmente...

O povo não quer só mais consumo, o povo quer mais democracia.



Transporte Público.

A carga tributária no Brasil é alta, não tão alta quanto dizem os conservadores (muito abaixo de vários países europeus, por exemplo), mas ainda muito alta para o serviço oferecido em troca. O pior da matriz tributária brasileira é que ela em sua maior parte é sobre produção e consumo e não sobre propriedade e renda. Ela é regressiva, ou seja, paga mais proporcionalmente quem menos tem, e como o Brasil ainda é um país muito desigual, quem acaba por financiar o Estado brasileiro é o pobre, que é a maior parte, e que compromete uma maior parte dos seus rendimentos com o próprio consumo. A realidade é que a elite brasileira sempre deu um jeito de sugar o máximo que pode o trabalhador brasileiro, seja propriamente através do salário, seja através do parasitismo no Estado, do qual ela sempre foi a principal beneficiária. Manipulando para isso a opinião pública, por exemplo, quando rejeita os 15 bilhões gastos com o Bolsa Família, mas escamoteia os mais de 1 trilhão gastos com juros e amortização da dívida pública, a qual os banqueiros infiltrados no Banco Central sempre dão um jeito de manipular. É isso que garante a manutenção do seu poder econômico e por consequência do poder político.

O caso do transporte no Brasil caminha nesse sentido, é ha muito tempo um caso de ineficiência, descaso e exploração fora de qualquer parâmetro. Desde quando se substituiu todos os outros modais de transporte por uma única e quase que exclusiva via, a de rolagem asfáltica (diga-se de passagem, por pressão das 7 irmãs do petróleo e pela indústria automobilística), o país perdeu muito de sua autonomia econômica e de mobilidade interna. O transporte público é ainda mais caótico, poucas cidades contam com trens e metrôs, mas todas tem algum tipo de transporte urbano em ônibus. Essas linhas de transporte urbano em sua maioria, pasmem, não tem licitação, tudo é feito por contrato de concessão, onde, claro, há certas obrigações de bom atendimento, mas que em geral não são cumpridas ao bom gosto do usuário. O preço das passagens é um caso pior ainda, pois como não há licitação, não há concorrência pelo melhor preço, e mais, não se sabe nada sobre as planilhas de custos, a manutenção, os lucros e a necessidade dos subsídios dos governos para as empresas.  

A pauta de um movimento relacionada ao transporte público poderia ser muito bem pelas licitações em todo país. O caso é que serviços públicos precisam atender aos interesses, vejam só: públicos. O que não vem acontecendo não só nas metrópoles como em várias partes do Brasil. É preciso entender que o transporte público é utilizado direta ou indiretamente por toda a sociedade e, portanto, não pode ser simplesmente pago por quem precisa, deve ser financiado por toda ela. E aqui entra a questão dos impostos de novo, não é preciso criar um novo imposto para financiar o passe livre, o que é preciso é discutir a matriz tributária brasileira. Pois assim como o trabalhador precisa chegar ao trabalho, o empresário precisa que o trabalhador chegue ao trabalho para produzir os bens e serviços que fazem a sua riqueza.

A licitação é o atalho, mas o passe livre é o que pode colocar o debate nos termos adequados.



Novos movimentos, espontaneismo e transformação.

Essa primeira década do século XXI nos mostrou que vários paradigmas foram rompidos, que certas leituras explicativas da realidade não mais dão conta da maneira multifacetada e complexa como ela se apresenta. Foram publicados há algum tempo dois artigos extremamente interessantes um escrito pelo linguista norte americano Noam Chomsky, e outro pelo sociólogo, também norte americano, Immanuel Wallerstein. Os dois se debruçavam sobre a análise do fenômeno Occupy Wall Street, nas duas interpretações do movimento os analistas verificaram uma multiplicidade e polissemia de significados quanto ao porque protestar e uma negação por parte dos manifestantes em apresentar uma pauta específica e pontual de reivindicação. A partir do ponto de vista aqui apresentado, não é simplesmente o caso de não se conseguir apresentar uma pauta: a pauta é tudo que está lá; ela não é pragmática: é normativa; ela não é fruto de demandas setoriais que se constroem no coletivo e se uniformizam para a ação: ela parte da inconformidade individual que encontra eco em outras individualidades, passando por cima das ‘identidades coletivas’ mais tradicionais.

Sem dúvida o chamado ‘fim da história’, o fim do socialismo real e a vitória do capitalismo de cariz liberal mostrou sua face em todos os cantos do planeta. Na prática econômica, capitalista estatal/privado e no discurso cultural individualista-liberal, duas faces da mesma moeda. O capitalismo se estendeu a todo o globo sendo implementado por diferentes atores, conservadores e progressistas, e sempre com as ‘luvas’ do Estado manipulando a tal ‘mão invisível’, mas nunca integralmente liberal na economia (até porque, o mundo não sobreviveria a uma semana de real laissez faire). O que se fortaleceu nestes últimos 20 anos foi uma cultura liberal, atomista e individualista: a negação/rejeição das causas coletivas construídas e partilhadas no consenso e no acordo, a negação/rejeição das grandes narrativas de transformação social, a negação/rejeição da participação política organizativa e mesmo da representação política convencional.

Esses novos movimentos sociais do século XXI são fruto desse paradigma econômico/cultural ‘vitorioso’: do fracionamento do mundo do trabalho, do enfraquecimento de sindicatos, partidos e movimentos sociais mais tradicionais, da democracia apenas como procedimento institucional e não como ação substantiva de controle e participação. Mas mais do que tudo, da vitória de um projeto cultural, que se manifesta nos nossos tempos como uma pulverização da inconformidade com as promessas não cumpridas da modernidade de liberdade e igualdade, e o mais crítico, sem a capacidade de produzir consensos progressivos que instrumentalizem à mudança.

Com a expansão hegemônica do capitalismo econômico e do liberalismo cultural, os seus principais antagonistas, perderam não só o terreno na geopolítica do poder, como também, não conseguem fazer uma leitura apropriada da conjuntura e dos novos movimentos sociais atomizados. Se utilizando na maioria das vezes de modelos ultrapassados ou buscando retroceder o relógio da realidade para adaptar esta a modelos compreensíveis de ação de maneira anti-dialética. As organizações que se pretendem alternativas a esse modelo precisam urgentemente compreender a multiplicidade e a complexidade das sociedades atuais reais formadas culturalmente no modelo liberal.
 
Nesse sentido, é importante reconhecer que o liberalismo em sua origem é um projeto de ruptura e rejeição dos valores conservadores, assim como o são as vertentes comunitaristas, socialistas e comunistas de esquerda. É filho da Modernidade, assim como o são essas vertentes, procura a partir da sua perspectiva, implementar as promessas até agora não cumpridas da Modernidade. Ciente disto é que qualquer antagonista do projeto liberal deve elaborar sua reflexão, demonstrar as contradições do projeto em fazer cumprir essas promessas, apresentar para a sociedade uma alternativa contando para isso com as próprias contradições do ideário liberal que se fazem sentir atomizadas como insatisfação difusa na sociedade.
E isso pode se tornar factível enunciando-se a partir dos espaços de poder conquistados (institucionais ou não) mudanças substanciais e estruturais, que organizem essa indignação difusa, identificando e criando eixos de ação transformativos. Para tanto, o passo inicial nesta perspectiva seria ampliar a participação e a inclusão política social, pois é exatamente com o aprofundamento da democracia (ora, não é nela que todos valem a mesma coisa) que irão aflorar a ineficiência e os limites do liberalismo, e quem sabe, do próprio capitalismo.     




terça-feira, 2 de abril de 2013





Começa hoje campanha na Venezuela; Maduro é favorito

Sondagem do instituto de pesquisa GISXXI indica que o candidato chavista Nicolás Maduros atinge 55,3% das intenções de voto, enquanto o opositor Capriles Radonski tem 44,7%. “Estamos diante de um povo interessado no processo político, consciente de suas responsabilidades e comprometido com a democracia”, diz Jesse Chacón, o diretor do instituto.


Marcada por ditaduras, Guatemala vê genocida no banco dos réus

Um dos mais sanguinários dos muito sanguinários generais ditadores que assolaram a Guatemala, Efraín Ríos Montt, está sentado no banco dos réus, acusado de genocídio e crimes contra a humanidade, entre outras selvagerias menores.


A Guatemala vive um processo que eu e a maioria dos guatemaltecos pensávamos que jamais aconteceria: um dos mais sanguinários dos muito sanguinários generais ditadores que assolaram o país, Efraín Ríos Montt, está sentado no banco dos réus, acusado de genocídio e crimes contra a humanidade, entre outras selvagerias menores. Ao lado dele, também sendo julgado, está outro general, Mauricio Rodríguez Sánchez, seu chefe de inteligência militar, a tenebrosa G-2.


Foi curto o tempo de presidência do agora réu: durou de março de 1982 a agosto de 1983. Chegou ao poder graças a um golpe de Estado, perdeu o poder graças a outro golpe. 

Em um país com formidável histórico de golpes militares e ditaduras sanguinárias, Ríos Montt conseguiu a proeza de ter sido excepcionalmente brutal. Pastor de uma dessas seitas evangélicas criadas do nada, em seus dezesseis meses de poder absoluto criou grupos paramilitares batizados de PAC – as Patrulhas de Autodefesa Civil – que mataram pelo menos vinte mil assassinatos. Cerca de cem mil guatemaltecos se refugiaram nos países vizinhos, principalmente México e Honduras, e mais de um milhão foram expulsos de suas cidades e povoados e passaram a vagar pela Guatemala à procura de um lugar onde sobreviver.

A ditadura de Ríos Montt foi especialmente cruel com os indígenas, que são a esmagadora população do país. Não por acaso desde 1999 tentam abrir processos contra ele – na Guatemala, na Espanha –, sempre em vão. Entre outras razões, porque apesar de seus feitos brutais ele conseguiu se eleger varias vezes deputado. Perdeu a última eleição e, com ela, a imunidade parlamentar. 

Rigoberta Menchú, a índia que ganhou o prêmio Nobel da Paz, denunciou Ríos Montt e outros generais por tortura, genocídio, prisão ilegal e terrorismo de Estado diante de um tribunal espanhol. Um juiz foi até a Guatemala para interrogar os denunciados. Não conseguiu interrogar ninguém. E ficou no ar a amarga impressão de que jamais aconteceria nada contra os militares assassinos.

Pois agora aconteceu. E o que se ouve no tribunal é assustador. Os depoimentos das vítimas, principalmente das mulheres, são estarrecedores. As violações sexuais se davam em massa, ninguém – não interessava a idade – escapava. Depois de assassinar indiscriminadamente homens e rapazes, depois de devastar lavouras e incendiar aldeias, os soldados se davam à sanha perversa com as mulheres. Há relatos demolidores de pessoas que foram queimadas vivas, de membros decepados, orelhas e línguas amputadas, olhos vazados. E os estupros coletivos em praça pública. Um horror capaz de superar a mais demencial das imaginações. 

Para ouvir esses relatos, quem preside o tribunal que julga Ríos Montt e seu assecla é uma mulher com nome delicado: a juíza se chama Jazmín Barrios. A acusação tem um número concreto: 1.771 indígenas da etnia ixil foram assassinados pelos militares durante os 16 meses de poder absoluto de Ríos Montt. É menos de dez por cento do total de mortos, em sua imensa maioria maias. 

O general de 86 anos repete, numa ladainha inalterada, que reconhece que houve ‘alguns excessos’, mas garante que não sabia de nada, que não ordenou nada, que não permitiu nada.

Em cada sessão do tribunal da juíza Jazmín Barrios são ouvidas doze pessoas. Doze sobreviventes de massacres. Doze vozes que contam o horror dos horrores diante de um ancião que permanece inalterado enquanto ouve o que aconteceu em seus tempos de ditador supremo.

É raro – raríssimo, aliás – que ex ditadores sejam levados aos tribunais para responder por terrorismo de Estado. A Argentina é uma exceção particular: vários generais ditadores foram condenados a penas pesadíssimas de prisão. Na Guatemala, parecia impensável.

Entre outras mazelas, o país conta – ou contava até agora – com um sistema judicial olimpicamente inepto e corrompido. Graças a isso, para não mencionar as pressões gritantes dos militares, a impunidade parecia estar assegurada para sempre. O panorama mudou.

O julgamento de Ríos Montt e Rodríguez Sánchez é o primeiro. A Guatemala se confronta com as chagas abertas do seu passado. E poderá encontrar no resgate da verdade, na preservação da memória e na aplicação da justiça o tão necessário antídoto para deixar de ser uma sociedade envenenada pelos longos, longuíssimos anos de horror.

Via Agência Carta Maior.



Que temos de novo no cenário eleitoral paraguaio?

Partido Colorado é favorito para regressar ao poder nas eleições presidenciais de 21 de abril no Paraguai. Já a classe política progressista, dividida no pleito, deve voltar a realizar uma forte autocrítica que lhe permita pôr em disponibilidade novos discursos que comovam vontades majoritárias.



A ascensão de Fernando Lugo ao governo do Paraguai em 2008 abriu um parêntese na longa hegemonia do Partido Colorado (Associação Nacional Republicana). Sua chegada ao poder se realizou através de uma aliança de partidos e movimentos sociais, Alianza Patriótica para el Cambio, na qual um dos sócios institucionais mais importantes foi o Partido Liberal (Partido Liberal Radical Auténtico) que habilitou uma estrutura partidária nacional. Tal presença teve como contrapartida o acompanhamento do liberal Federico Franco na fórmula presidencial, hoje o presidente golpista que governa o Paraguai desde junho de 2012. Como costuma acontecer depois da recomposição das forças reacionárias no poder (neste caso via golpe de Estado parlamentar), a melhor representada nas próximas eleições é a direita.


Por um lado, o Partido Colorado traz como candidato um empresário que, com as pesquisas na mão, apagou todas as figuras de carreira no partido. Assim, Horacio Cartes instrumentaliza o partido para aceder à presidência e se converte no outsider de um partido centenário. Possui também um poder econômico que lhe brinda muitíssima autonomia na hora de financiar uma palestra de assessores internacionais. O principal assessor (outrora comercial e agora agiornado à política), Francisco Cuadra, foi homem de confiança de Pinochet e seu secretário de governo entre 1984 e 1987. Entretanto, os milhões que gastou em sua campanha não originaram um programa de governo comunicável nem um léxico claro para os tempos da televisão. Um personagem que se sente mais à vontade em reuniões privadas, pelo incômodo de enfrentar a chuva de acusações sobre as vinculações ao comércio ilegal.

Seu principal concorrente, o liberal Efraín Alegre, então ministro de Obras Públicas e Comunicações de Fernando Lugo, é hoje o candidato de um partido que não pagou ainda o custo de ser o responsável direto pelo golpe de Estado. Seu assessor, Antonio Solá, o abastece da direita espanhola de Aznar e do Partido Popular. O candidato liberal se apresenta como homem do interior do país e sua força radica no controle político de uma parte desse território, sabendo, na campanha, se descolar do setor mais retrógrado de seu partido. O mesmo pelo qual por enquanto os cálculos eleitorais não lhe dão o esperado: a estratégia de assumir o controle do Estado mediante um golpe para depois mantê-lo via mecanismo democrático não funcionou. Tudo indica que, continuando a Aliança com o luguismo, o resultado eleitoral os colocaria vitoriosos.

No segundo pelotão se encontra o amplo campo da esquerda que durou unida o tempo em que Fernando Lugo esteve no poder. Hoje se encontram espalhadas e a fragmentação ganhou o pedido “cidadão” pela unificação. Por um lado, encontramos Mario Ferreiro – que será a surpresa nestas eleições –, um apresentador de televisão que soube mostrar sua adesão e militância e, como gosta de dizer, ouviu as pessoas por 30 anos. Escolhido por Lugo para sucedê-lo antes do golpe de Estado, seu enfrentamento final com o agora ex-presidente lhe custou a ruptura e parte do declínio dos movimentos que conformavam a Frente Guasú. A partir daí, iniciou sua nova organização partidária, Avanza País, que conta como a maior força os jovens congregados no Partido do Movimiento al Socialismo. Com soltura, habilidade e uma vestimenta moderna, mostra uma arejada facilidade discursiva, sabendo dissimular seu péssimo guarani. O único dos presidenciáveis que não exibe simbologia religiosa em seu comitê de campanha. Ante um sistema político em crise, seu continuo slogan de não pertencer à “classe política tradicional e caduca” lhe brinda um acréscimo de legitimidade. Sua candidatura conseguiu se posicionar em uma socialdemocracia que lhe permite captar votos de diversas extrações políticas e sociais.

Em segundo lugar, o médico Aníbal Carrillo pela Frente Guasú, um respeitado quadro político de esquerda com uma amplíssima e solvente carreira no campo político e popular. Entretanto, é uma figura quase desconhecida para amplos setores da sociedade paraguaia ao qual Fernando Lugo – o primeiro senador de sua chapa – não pode transferir o prestígio internacional que lhe vale ainda como ex-presidente. Preocupado por aparecer como o “verdadeiro candidato de esquerda”, seu discurso não desperta grandes expectativas nem ilusões coletivas, como soube fazê-lo seu chefe direto.

Por último, Lilian Soto pelo Kuña Pyrenda, a organização política mais interessante que a longa transição à democracia colheu. Sua experiência com as organizações sociais e um verdadeiro trabalho horizontal lhe valem a maior legitimidade e compromisso social. Foi a primeira das agrupações que liderou a denúncia e resistência ao Golpe de Estado. Entretanto, o slogan “muda de posição”, aludindo o número 69, soa demasiado transgressor para uma estrutura conservadora e machista. Os conclaves masculinos, que a esquerda também conhece bem, as excluem até dos debates televisivos.

Assim colocadas as coisas, a luta por aceder à presidência deixa muitas questões abertas. Se o partido Colorado regressar ao poder, terá que evitar os “castigos morais” sobre o eleitorado. E a classe política progressista deve voltar a realizar uma forte autocrítica que lhe permita pôr em disponibilidade novos discursos que comovam vontades majoritárias. Influenciada também pela morte de Hugo Chávez, a eleição paraguaia não é inócua e dela depende também o destino da região e do Mercosul.

* (Socióloga Universidad de Buenos Aires, Investigadora CONICET, Instituto de América Latina y el Caribe. Autora: La larga invención del golpe. El stronismo y el ordem político paraguayo, Imago Mundi/CEFIR Buenos Aires/Montevideo, 2012 ). 


Via Agência Carta Maior



Os Brics afiam suas garras

Ao se reunirem na África do Sul, os Brics deram um passo que pode ter dimensões geopolíticas: montaram um pacote que prevê um banco de desenvolvimento, uma alternativa às agências de classificação de risco e uma opção ao dólar nas transações comerciais.


As notícias sobre a morte prematura dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) têm sido enormemente exageradas. Os meios de comunicação corporativos ocidentais estão cheios de insensatezes semelhantes, perpetradas, neste caso em particular, pelo chefe do Morgan Stanley Investment Management.


A realidade diz outra coisa. A reunião dos BRICS em Durban (África do Sul) desta semana serviu para, entre outros passos, criar sua própria agência de qualificação de risco e deixar à margem a ditadura (ou pelo menos as “agendas prejudicadas”, na linguagem diplomática de Nova Déli) do tipo de Moody’s/Standard & Poor’s. Também impulsionarão a ideia do Banco de Desenvolvimento dos BRICS com um capital inicial de 50 bilhões de dólares (só faltam finalizar os detalhes estruturais) para ajuda a projetos de infraestrutura e de desenvolvimento sustentável.

O que é de crucial importância é que os EUA e a União Europeia não terão interesses neste Banco do Sul, uma alternativa concreta, impulsionada especialmente pela Índia e pelo Brasil, ao Banco Mundial dominado pelo ocidente e ao sistema de Bretton Woods.

Como afirmou Jaswant Singh, ministro de finanças Indiano, um banco de desenvolvimento assim poderia, por exemplo, canalizar o know-how de Pequim para ajudar a financiar as generalizadas necessidades de infraestrutura da Índia.

As imensas diferenças políticas e econômicas entre os BRICS são evidentes. Mas à medida que se desenvolvem como grupo, o assunto principal não é se deveriam proteger a economia global da agora contínua crise do capitalismo de cassino avançado.

O principal é que, além das medidas para facilitar o comércio mútuo, suas ações se tornam certamente cada vez mais políticas, já que os BRICS não só desdobram seu poder econômico, mas que também dão passos concretos que levam a um mundo multipolar. O Brasil é particularmente ativo a esse respeito.

Inevitavelmente, os costumeiros fanáticos do consenso de Washington não podem – de maneira míope – ver outra coisa além de que os BRICS “demandam mais reconhecimento por parte das potências ocidentais”.

É claro que existem problemas. O crescimento do Brasil, da China e da Índia escasseou. Enquanto a China, por exemplo, se convertia no principal sócio comercial do Brasil (a frente dos EUA), setores completos da indústria brasileira sofreram pela competição da barata manufatura chinesa.

Mas algumas perspectivas em longo prazo são inevitáveis. Os BRICS vão acabar chegando a ser mais decisivos diante o Fundo Monetário Internacional. E o que é fundamental, os BRICS comercializarão em suas próprias moedas, incluindo um Yuan globalmente convertível, mais longe do dólar dos EUA e do petrodólar.

Essa desaceleração chinesa
Foi Jim U’Neill, do Goldman Sachs quem, em 2001, cunhou o termo BRIC (à época a África do Sul não participava). Resulta ilustrativo ver o que pensa agora a respeito.

U’Neill afirma que ainda que a China “só”cresceu 7,7% em 2012, “acho que é o equivalente a outra economia grega cada onze semanas e meia”. A desaceleração da China foi “estrutural e cíclica”, uma “queda planificada” para controlar o reaquecimento e a inflação.

O ímpeto dos BRICS forma parte de uma irresistível tendência global. A maior parte foi decifrada aqui, em um recente relatório do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas. O resultado final: o Sul global está ultrapassando o Norte na corrida econômica a uma velocidade vertiginosa.

Seguindo o relatório, “pela primeira vez em 150 anos a produção combinada das três principais economias do mundo em desenvolvimento (Brasil, China e Índia) é aproximadamente igual ao PIB combinado das antigas potências industriais do Norte”.

A conclusão obvia é que, “o crescimento do Sul está remodelando radicalmente o mundo do século XXI, no qual as nações em desenvolvimento impulsionam o crescimento econômico, arrancam centenas de milhões de pessoas da pobreza e impulsionam bilhões para uma nova classe media global”.

E justamente em meio deste processo, encontramos uma épica euro-asiática: o desenvolvimento da relação estratégica entre a Rússia e China.

Sempre se trata do Ductistão
O presidente russo Vladimir Putin não anda com contemplações: quer conduzir os BRICS a “um mecanismo de cooperação estratégica completa que nos permita procurar em conjunto soluções a problemas chave da política global”.

Isto implicará uma política exterior comum dos BRICS e não só uma coordenação seletiva sobre alguns temas. Custará tempo. Será difícil. Putin sabe perfeitamente.

O que o faz ainda mais fascinante é que Putin apresentou suas ideias durante a visita de três dias da semana passada a Moscou do novo presidente chinês Xi Jinping. Fez todo o possível para salientar que as relações russo-chinesas são agora “as melhores em sua história de séculos”.

Não é exatamente o que gostam de escutar os norte-atlanticistas hegemônicos, que continuam ansiosos por ver a relação nos termos da Guerra Fria.

Xi respondeu com estilo: “Não viemos de visita para nada” (tal como se detalha parcialmente aqui). E há que esperar até que o impulso criativo da China comece a dar seus frutos.

Inevitavelmente, o Ductistão (o gasoduto Irã-Paquistão) está no centro da primordial relação complementar dos BRICS.

A necessidade de petróleo e gás russo na China é um tema de segurança nacional. A Rússia quer vender mais e mais, diversificando do Ocidente. Também a Rússia apreciaria extraordinariamente investimentos chineses em seu extremo Oriente, a imensa região Transbaikalia.

E a propósito, o “perigo amarelo” não está se apoderando da Sibéria, como o Ocidente gostaria. Apenas 300.000 chineses moram na Rússia.

Uma consequência direta da cúpula Putin-Xi é que de agora em diante Pequim pagará adiantado o petróleo russo em troca de uma participação em uma série de projetos, por exemplo, em uma exploração conjunta da CNPC e da Rosneft de blocos offshore no Mar de Barents e outros blocos em terra na Rússia.

A Gazprom, por sua parte, fechou um esperado acordo de gás com a CNPC: 38 bilhões de metros cúbicos por ano entregues pelo gasoduto ESPO da Sibéria a partir de 2018. E para o final de 2013 os chineses fecharão um contrato com a Gazprom, que envolverá a provisão de gás durante os próximos 50 anos.

As ramificações geopolíticas são imensas. A importação de mais gás da Rússia ajuda Pequim a escapar gradualmente de seu dilema de Malaca e Ormuz – para não mencionar a industrialização das imensas províncias interiores, altamente povoadas e muito dependentes da agricultura, deixadas para trás no auge econômico.

Dessa maneira o gás russo se ajusta ao plano mestre do Partido Comunista da China: configurar as províncias do interior como uma base de abastecimento para a classe média chinesa de 400 milhões, crescentemente ricos, urbanos, baseados na costa leste.

Quando Putin afirmou que não considera a os BRICS um “competidor geopolítico” com o Ocidente, pronunciou o argumento decisivo: o desmentido oficial que confirma que é assim. Durban poderá solidificar só o começo de uma competição semelhante. É demais dizer que ainda que as elites ocidentais estejam desaparecidas no estancamento e à bancarrota, não permitirão que se percam alguns de seus privilégios sem um sanguinário enfrentamento.

Pepe Escobar é autor de ‘Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War’ (Nimble Books, 2007) e de ‘Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge’. Seu livro mais recente é ‘Obama does Globalistan’ (Nimble Books, 2009). Contato: pepeasia@yahoo.com


Via Agência Carta MAIior